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  • Writer's pictureFlavia Totoli

Série: Mulheres Icônicas e Anônimas

“Como ser um artista e não refletir sobre a sociedade?

Nina Simone






Essa é uma frase que sempre tenho em mente.







Por outro lado, como poderia um artista não refletir sobre todas as experiências pessoais que viveu e suas consequências? Acredito que a resposta é que ambas estão intimamente vinculadas. Como a maioria das coisas em nossas vidas, não existe uma razão única para explicar porque fazemos o que fazemos.


E essa é a maneira pela qual eu explico as razões que me levaram a criar a série Mulheres Anônimas e Icônicas. Como tantas mulheres, eu me encontrava em um momento de muita tristeza e solidão depois de uma separação. Eu me sentia perdida, vazia e sem saber para onde ir, tanto emocional como fisicamente. Como artista o que fazia sentido para mim era pintar.


Comecei com as “Mulheres Anônimas”. Mulheres que como eu, ninguém conhece, mas que carregam tantas dores e belezas em suas vidas. Mas não era suficiente, eu precisava de uma direção, de inspiração e foi assim que nasceu a “Mulheres Icônicas”.


Tudo isso para explicar que, a partir da minha história pessoal e das minhas buscas, acabei olhando não só para dentro, mas para o nosso sistema estrutural e social, como fator que contém muitas das razões pelas quais eu passei por tantas dores em minha vida.


Refletir sobre questões de raça e gênero foi essencial para que eu pudesse organizar meus pensamentos e perceber que obviamente não estou sozinha. Essa compreensão pode parecer muito evidente, porém acredito que, enquanto indivíduos, precisamos chegar a certas conclusões sozinhos para que de fato possamos compreender as questões que permeiam nossas vidas.


Talvez seja mais fácil compreender racionalmente certas coisas, mas é inteiramente diferente internalizar e dar sentido a essas questões, e, como mencionei no início, não podemos explicar questões complexas com respostas únicas e de maneira simplificada.


Gênero e Raça

Enquanto mulher, me parece inconcebível que qualquer uma de nós passe pela vida sem sofrer os impactos do machismo. Da mesma maneira, enquanto negra, multirracial, ou seja não branca, me parece impossível que alguém passe por essa vida sem sofrer os impactos do racismo.


É importante ser muito clara nesse ponto: não ser homem e não ser branco, coloca o indivíduo, já de início em um lugar de patente desvantagem. Lembrando que a questão de classe ainda não está colocada nessa reflexão (ao menos até esse momento).


Tenho estudado e refletido sobre questões de raça e gênero pelos últimos anos e penso que não é possível dizer o que viria primeiro ou o que torna a vida mais complexa. Minha conclusão até o momento é que não há uma resposta além de: se você é uma mulher negra, você está no lugar de maior desvantagem histórica e social.


Não há nenhum privilégio em ser uma mulher negra. Sempre fomos julgadas de saída: enquanto mulher não seria possível ser um indivíduo capaz e racional. É o que a sociedade nos diz todos os dias. Não é possível sair de casa sem um planejamento prévio: “onde estou indo?” “Com quem vou me encontrar?”, “Essa roupa me faz parecer mais ‘respeitável’?, “Essa roupa me coloca num lugar de mais vulnerabilidade em termos de violência?”, “Essa saia me fará mais ou menos segura quando estiver andando na rua?”, “Essa maquiagem fará com que as pessoas pensem que não são inteligente ou capaz?”


As mulheres tentam há décadas se livrarem dessas amarras, mas em minha experiência ao menos, sei que coisas como roupas, cabelo ou maquiagem podem parecer triviais. Porém podem fazer diferença, na prática, em como somos tratadas em um loja, num encontro romântico ou no trabalho.

Às vezes penso: estamos no século 21 e nada disso realmente importa, provavelmente estou exagerando. Mas basta olhar o jornal para perceber que nós, enquanto sociedade não superamos esses estereótipos e julgamentos e como consequência as mulheres estão muito longe de serem livres.


Então, muitas vezes, muitas de nós escolhe a saia mais longa.


Eu sou uma mulher mestiça. Tenho uma herança negra, indígena e italiana. Minha pele é mais clara e meu cabelo é crespo. Eu posso “disfarçar” minha herança negra, alisando meu cabelo ou não tomando sol. E isso levanta outra reflexão: porque o fato de ser possível “me disfarçar” tem qualquer relevância?


Isso é uma coisa que não deveria passar pela minha cabeça, da mesma maneira que não deveria ser uma preocupação o comprimento da minha saia. Mas nessa sociedade extremamente imperfeita esses pensamentos existem. E o fato de que eu possa fazer isso, escancara os privilégios que tenho e que mulheres negras retintas não tem.


O que quero dizer aqui é como o mundo que vivemos está longe da igualdade que muitos acreditam que existe e o quanto a questão da raça é fundamental. Num mundo e numa sociedade que não se orgulha de sua própria diversidade, muito pelo contrário, aponta e diminui o que é percebido como diferente ou pior, não é possível se calar.


Beleza

Essa é a razão pela qual decidi que os retratos que pinto sejam belos.


Porque numa sociedade que enxerga mulheres negras, como esteticamente inaceitáveis, diferentes ou piores, acredito que, não há nada mais perturbador em si mesmo, do que pintar mulheres negras em toda a sua Beleza. Minhas irmãs de pele mais escura podem e devem ocupar todos os espaços possíveis, até que não exista mais lugar no imaginário coletivo que vincule a diversidade a nenhum tipo de negatividade.


Uma vez que a arte deste último século, em sua maioria, retratou a figura da mulher negra em lugares de subserviência e hipersexualização, acredito que não há outra escolha, a não ser fazer parte da mudança.


Minha arte busca normalizar e colocar as mulheres negras em espaços de poder, beleza e força. Lugar esse, que deveria abrigar a todos nós, se já vivêssemos no mundo ideal, igualitário e diverso que sonhamos construir.

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